Comentário
No fim da tarde do último domingo, em entrevista ao portal IG, o senador
Ricardo Ferraço (ES), um dos representantes do PMDB na CPI do Cachoeira, foi
incisivo quanto à necessidade de convocar o governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ)
para ir depor ali:
— Será uma oportunidade para ele se explicar sobre as denúncias de que
privilegiou a Delta por ser amigo do Fernando Cavendish. Não faria sentido
chamarmos outros governadores acusados de envolvimento na teia da CPI, como o
[Marconi] Perillo e o Agnelo [Queiroz], e deixarmos o Cabral de fora só porque
pertence ao PMDB ou porque governa o Rio.
Palavras sensatas. Raciocínio lógico. Preocupação com a Justiça.
Cabral é do mesmo partido do senador. Que nem por isso se sente na obrigação
de defendê-lo. Numa CPI todos são juízes. E como juízes deveriam se
comportar.
Ferraço estava sob o impacto das primeiras fotografias e vídeos divulgados
dois dias antes no blog do ex-governador Garotinho que mostram passagens de uma
farra milionária de Cabral em Paris na companhia de Cavendish e de secretários
de Estado.
Na segunda-feira pela manhã, Ferraço deu o dito pelo não dito. E acusou
Garotinho de fazer “disputa política”.
— O Renan me deu liberdade para agir de acordo com minhas convicções. E minha
convicção é que não vou ser instrumento de lutas regionais. Pode tirar o
Garotinho da chuva! —disse Ferraço.
Renan Calheiros (AL) é o líder do PMDB no Senado, e candidato a presidir o
Senado mais uma vez. É razoável presumir que ele – e mais ninguém - tenha
enquadrado Ferraço entre a noite do domingo e a manhã da segunda. Foi rápido no
gatilho.
Ferraço confessou candidamente que Renan lhe deu liberdade para proceder de
acordo com suas convicções. Desde que ele pense igual a Renan, é claro.
A liberdade de Ferraço proceder como pensa é uma outorga de Renan – não é um
direito dele.
Garotinho faz, sim, “disputa política”, como acusou Ferraço depois de ouvir
Renan. A “disputa política” feita por Garotinho é igual à promovida por Renan,
Ferraço, Cabral e todos os interessados em conquistar o poder. E em
mantê-lo.
O PMDB foi contra a criação da CPI do Cachoeira. Onde já se viu governo criar
CPI? E ainda mais um governo tão bem avaliado quanto o da presidente Dilma?
CPI é instrumento da minoria. Que a maioria desativa sempre que pode.
Uma vez que Lula bateu o pé, atropelou Dilma e empurrou a CPI goela abaixo do
PT, o PMDB do vice-presidente Michel Temer estava pronto para socorrer o governo
diante de eventuais dificuldades. Apresentaria a conta mais tarde.
Celebrava entusiasmado o fato espantoso de nenhum dos seus caciques estar
envolvido no mesmo mar de lama que ameaça afogar algumas estrelas de primeira
grandeza de outros partidos. Mas aí Garotinho ganhou de presente mais de 80
fotografias e uma dezena de vídeos. E acabou com o entusiasmo do PMDB.
O governo federal está numa sinuca de bico. A faxineira ética, para continuar
faturando como faxineira, está impedida de mexer um dedo em defesa de Cavendish,
dono da empreiteira com o maior número de obras do Programa de Aceleração do
Crescimento.
O naufrágio da Delta, contudo, comprometerá o programa que reelegeu Lula e
elegeu Dilma. A Delta tem obras em todos os Estados – e mais no Distrito
Federal. Aos governadores não interessa sua desgraça. Pelo contrário.
Cavendish sempre foi amigo de governadores, senadores e deputados. Arraia
graúda era com ele. Miúda, não. Generosamente, a Delta jamais se negou a
contribuir para campanhas eleitorais, por dentro ou por fora, de qualquer
jeito.
Parece improvável a vitória da tese de que apenas os negócios da Delta no
Centro-Oeste devem ser examinados com rigor pela CPI. Como se Cavendish nada
tivesse a ver com eles. Como se a Delta, somente ali, tivesse apodrecido. Mas
nunca se sabe...
Uma CPI não é formada apenas por deputados ou senadores ou todos juntos.
Há um integrante oculto em toda CPI, e ele é sempre o mesmo. E ele é
poderoso. Atende pelo nome de opinião pública.
No resto do tempo, a opinião pública não costuma prestar muita atenção nos
malfeitos dos políticos– ou de gente ligada a eles. Com uma CPI em
funcionamento, e o barulho que ela provoca, a desatenção se reduz.
A CPI tem muitas perguntas a fazer a Cavendish. A Cabral, poucas. Mas não dá
para não fazê-las sob pena de a CPI se desmoralizar. Ela começou mal, ontem.
Perguntas para Cabral:
* Quantas viagens oficiais ou particulares fez ao exterior desde que assumiu
o governo do Rio? Data, destino, duração, motivo de cada viagem e
comprovantes.
* Em quantas dessas viagens Cavendish esteve presente? Por quê?
* Cadê os documentos relativos ao pagamento de cada uma das viagens?
* Quantas vezes voou dentro ou fora do Brasil em jatinhos particulares?
* Quantas dessas viagens foram feitas em jatinhos emprestados por amigos?
* Liste os amigos que lhe emprestaram jatinhos e aponte aqueles que têm
negócios com o governo do Rio.